Biodiversidade & Vida Selvagem

Biodiversidade & Vida Selvagem

  • Publicado em TEMAS ESTRATÉGICOS

Prevenir, deter e reverter a perda da natureza.

Contexto

O aparecimento do homem enquanto espécie e neste planeta iniciou um novo e singular processo de desenvolvimento ao introduzir uma nova dimensão da realidade - a civilização - a que podemos estimar o seu início há cerca de 10 000 anos, conforme nos dizem os historiadores e antropólogos.

A civilização é um processo complexo em permanente desenvolvimento, onde o homem procura encontrar-se a si mesmo neste mundo, na definição da sua identidade, na conquista das suas paixões, na descoberta das suas capacidades, no aperfeiçoamento dos seus talentos, no aprofundamento dos seus conhecimentos, e onde perpetuamente questiona e procura encontrar as soluções dos grandes problemas com que se confronta: ele consigo próprio (Homem & Mente), ele com os outros (Homem & Sociedade), ele com o mundo (Homem & Natureza). Estas questões envolvem o drama da sua existência, enquanto animal físico, sensitivo, social, pensante, e espiritual.

Como ponto de partida para qualquer abordagem holística posterior, é necessário ter presente que, neste planeta, não só o homem, enquanto espécie ou individualmente, é um elemento constituinte da natureza mas também, colectivamente em sociedade, o é a civilização. A civilização, tomada como um todo orgânico, é tanto um ecossistema ao homem como uma lagoa a hipopótamos. Neste sentido, o que emerge agora como o centro donde se deve focar e expandir a nossa discussão e acção é o binómio Homem & Ambiente. Harmonizar a realidade da civilização à realidade natural, tendo em vista que no contexto do actual e acelerado processo de globalização e degradação ambiental são as duas faces da mesma realidade, é uma urgente prioridade. É, pois, à luz destas ideias que se ilumina e nasce o lema recorrente das organizações de conservação da natureza e biodiversidade:

viver em harmonia com a natureza

A sociedade, tomada como um todo, é a manifestação das potencialidades do homem, traduzindo as suas paixões, sentimentos, pensamentos, criatividade, sonhos, imaginações, fantasias, e, claro está, a forma como tem desenvolvido soluções para enfrentar os perigos e desafios que tem encontrado no caminho da sua sobrevivência neste planeta. A sociedade demonstra e organiza os grandes domínios de acção do homem, nomeadamente a política, a religião, a cultura, a ciência e a técnica. Estes domínios são campos das grandes paixões do homem, donde derivam tanto as sublimes realizações da música, da literatura, da arquitectura e da ciência (entre outros) como as grandes ideias e forças de união e construção, a paz, ou de desagregação e destruição, a guerra.

No curso da história e até aos dias recentes, o homem abordou a natureza como uma fonte inesgotável de recursos e que a ela tudo é possível fazer pois sempre se consegue regenerar, independentemente das acções nefastas que o homem tem praticado, não obstante, e de seu conhecimento, já terem ocorrido acontecimentos no passado em que se registaram disrupções graves e que culminaram na depleção dos recursos naturais, na destruição de determinados territórios, e no desaparecimento de determinadas comunidades.

Um dos factores psicológicos que alimentou esta mentalidade tem a ver como a aparente grandeza do planeta Terra comparativamente à escala do tamanho físico do homem. De facto, a natureza, com a sua aparente imensidão e profundidade de mares e oceanos, de enormes extensões de terra e fenomenais regiões de altitude e colossais montanhas, sempre despertou no homem a visão do eterno e a ideia que qualquer acção do homem seria sempre a uma escala tão comparativamente pequena que poderia continuamente explorar os recursos naturais a seu belo prazer.

A ideia que a vida, tal como a conhecemos neste planeta, apenas se desenrola num pequeno filme à volta da superfície da Terra - a biosfera - que existe por razão de uma rara singularidade cósmica induzida pela estabilidade gravitacional e termodinâmica trazida pelo sistema Sol – Terra – Lua, e que se mantém sustentável através de um complexo funcional constituído por ecossistemas, habitats, e uma enorme complexidade e diversidade biológica, resultante de milhões de anos de evolução, é recente. Este complexo é o que poderemos designar de a teia da vida (the web of life).

A ideia fundamental deste complexo é que a vida apenas se sustém pela própria existência da vida, onde todos os seres vivos dependem uns dos outros, e só colectivamente conseguem garantir a manutenção do fenómeno da vida no planeta. A vida depende da sobrevivência da espécies, da preservação e renovação das gerações, da existência de uma biosfera saudável, sustentável, resiliente, e do equilíbrio funcional ecológico. Qualquer perturbação nesse equilíbrio, por degradação, ruptura, ou desaparecimento de qualquer um dos seus elementos, é uma ferida e fenda aberta que, cedo ou tarde, irá comprometer a estabilidade do todo. A estabilidade é assegurada pela enorme complexidade de funções ecológicas que interligam todos os seres vivos, onde todos acabam por depender de todos, através dos princípios da circularidade e sustentabilidade, promovidos pelos mecanismos da reutilização e regeneração.

A grande ideia e mensagem central que emerge é simples: a realidade humana, enquanto espécie e civilização, apenas existe e pode existir se houver uma biosfera de suporte. Destruir a biosfera, é destruir a humanidade.

Num mundo em acelerado processo de globalização e desenvolvimento económico, potenciados pelo ainda incontrolável aumento demográfico, assiste-se cada vez mais à ocupação do homem de extensas áreas do planeta, em terra ou mar, para exploração dos seus recursos naturais. Essa ocupação, que se poderá dizer que domestica o ambiente, tem feito regredir cada vez mais as áreas a que poderemos designar de selvagens. A domesticação tem condicionado o ambiente a vários níveis, sendo um deles a exploração da natureza com base em ecossistemas artificialmente criados, condicionados, e geridos com baixíssima diversidade biológica. Estes ecossistemas acabam por se desligar de toda a teia da vida, criando nichos isolados sem funções ecológicas que assegurem os princípios da circularidade e sustentabilidade. Isto acaba por ter impacto negativo noutras zonas e noutros ecossistemas, comprometendo a sobrevivência de outras espécies de seres vivos, incluindo pela introdução de substâncias que não fazem parte dos mecanismos da reutilização e regeneração, tais como as substâncias poluentes, venenosas, tóxicas e lixos de diversas fontes e natureza.

Um primeiro sinal de alerta está, precisamente, na observação do que está a acontecer nas áreas ainda selvagens e na vida selvagem em geral. Tal observação serve-nos como termómetro para avaliar o estado de saúde da biosfera e do nosso planeta, a Terra. Cada vez que se degrada ou perde um ecossistema, ou uma espécie se encontra em situação de ameaça, vulnerabilidade ou processo de extinção, é uma luz vermelha que se acende na nossa casa, e que nos deve alertar para que qualquer coisa está errada. Hoje, sabe-se que essa luz sinaliza muito mais do que um mero e não muito importante aspecto singular e local. De facto, a simples extinção de um pequeno batráquio algures numa zona remota, revela uma fenda que cedo ou tarde irá demonstrar um profundo e aparentemente oculto problema em curso: a destruição da própria biosfera.

O avanço civilizacional deu origem a uma nova era no planeta: o Antropoceno. Hoje, a ciência revela-nos que estamos face a um enorme cataclismo em curso: a extinção em massa da biodiversidade a um ritmo nunca antes registado.

Neste sentido, emerge com enorme importância estratégica o tema Vida Selvagem & Biodiversidade. Observar que existem ecossistemas e habitats em estado de saúde, ecologicamente viáveis, sustentáveis e resilientes, onde a vida selvagem existe e se mantém, é actualmente, e cada vez mais, uma actividade importante ao homem. Procurar assegurar a sua existência e salvaguarda é uma actividade urgente e prioritária.

Linhas de desenvolvimento

A - Observar, documentar e registar as espécies encontradas nos vários ecossistemas e habitats (incluindo a descoberta, descrição e registo de novas espécies), se possível contar ou estimar o número de indivíduos de cada espécie nesses ecossistemas, e elaborar e analisar a estatística tomada cronologicamente, com particular enfoque nas espécies migratórias.

B - Estudar, investigar, aprofundar e documentar os conhecimentos sobre os aspectos biológicos de cada espécie, tais como a morfologia, anatomia, fisiologia, patologia, alimentação, procriação, migração, hábitos comportamentais, entre outros aspectos, complementar com as relações simbióticas entre as espécie e o papel que cada espécie representa nas funções ecológicas de cada ecossistema e habitat.

C - Estudar, investigar, aprofundar e documentar os aspectos da biologia molecular e da genética.

D - Analisar e documentar as causas de morte não natural encontradas, incluindo pela análise laboratorial de órgãos tais como o estômago, fígado, pâncreas, intestinos e a procura e identificação de elementos tóxicos ou venenosos, ou de mortes causadas pelas actividades furtivas ilegais ou criminosas.


Fotografia © João Barra Góias

Biodiversidade - a teia da vida.

"Diversidade biológica – ou biodiversidade – é o termo dado à variedade de vida na Terra e aos padrões naturais que ela forma. A biodiversidade que vemos hoje é fruto de biliões de anos de evolução, moldada por processos naturais e, cada vez mais, influenciada pelo homem. Forma a teia da vida da qual somos parte integrante e da qual dependemos totalmente.

Esta diversidade é muitas vezes entendida em termos da grande variedade de plantas, animais e microrganismos. Até agora, foram identificadas cerca de 1,75 milhões de espécies, principalmente pequenas criaturas, como insetos. Os cientistas calculam que existam na verdade cerca de 13 milhões de espécies, embora as estimativas variem entre 3 e 100 milhões.

A biodiversidade também inclui diferenças genéticas dentro de cada espécie – por exemplo, entre variedades de culturas e raças de gado. Cromossomas, genes e DNA – os blocos da construção da vida – determinam a singularidade de cada indivíduo e de cada espécie.

Ainda outro aspecto da biodiversidade é a variedade de ecossistemas, como os que ocorrem em desertos, florestas, zonas húmidas, montanhas, lagos, rios e paisagens agrícolas. Em cada ecossistema, os seres vivos, incluindo os humanos, formam uma comunidade, interagindo uns com os outros e com o ar, a água e o solo ao seu redor.

É a combinação de formas de vida e as suas interações entre si e com o resto do ambiente que tornou a Terra um lugar habitável único para os humanos. A biodiversidade fornece um grande número de bens e serviços que sustentam as nossas vidas."

Sustaining life on Earth: How the Convention on Biological Diversity promotes nature and human well-being,
© Secretariado da Convenção sobre a Diversidade Biológica, Abril 2000